A Cremilde contou a lenda.
LENDA DO GALO DE BARCELOS
ATO I
A lenda do galo
Já é muito antiga
E dela vou tentar fazer
Uma bela cantiga
Mas antes de lá chegarmos
Vou pôr-vos a caminho
Da catedral de Santiago
Para onde vão os peregrinos
De tantos caminhantes, um
De mil peregrinos da altura
Quem vê sua história contada
Sofreu uma desventura
E a uma bonita cidade
Vale-lhe na dor a alegria
De um homem de muita fé
Que seu nome expandia
Reza a lenda que todos iam
Mesmo muito assustados
Havia um crime ocorrido
Que soava por aqueles lados
E essa ora cidade
Burgo de reais belezas
Barcelos de seu nome
Não convida a tristezas
Senão, vejamos como foi
Que um peregrino inocente
Caiu em desgraça
Na boca da gente
Certo dia apareceu
Depois de muito caminhar
Um peregrino cansado
Que quis descansar
E entrou no burgo
Curioso e encantado
Foi atrás do encanto
Parar no mercado
E tanto se admirou
Que até a fome esquecia
Olhava as riquezas
Que o mercador vendia
E à sua beira
Quase podia cheirar
O odor da asneira
A vontade de roubar
Tratava-se dum velho
Com ar maltrapilho
Parecia querer
Arranjar um sarilho
E olhava e notava
Nas jóias o brilho
Procurava no mercado
Um mercador distraído
O peregrino, bom homem,
Seguia-lhe o gesto
Se o visse roubar
Soltaria um protesto
E não é que o velho
Sabendo-se perseguido
Ameaçou-o em segredo
Baixinho, ao ouvido?
O destemido peregrino
A quem a vida era dura
Não temeu pela vida
Nem perdeu compostura
Não penses, carantonha
No que é tão feio fazer
Em tomares sem vergonha
O que outro tem para vender
[o ladrão atira-lhe as jóias para o acusar]
[Povo] - Foi ele!
- Ladrão!
- Ele roubou!
- Vilão!
[Nova] - Eu vi…
[Velha] - Senhores
[Nova] - Roubou…
[Velha] - Os valores
[Povo] - Apanhai-o!!
ATO II
[Casa do juiz]
[Juiz] – Pois mandai, mandai entrar
Quem ousa perturbar
A estas horas más
Os preparativos do jantar
Que seja, assim, importante
E de fácil reparo
Estou cansado e com fome
E este galo foi-me caro!
[Guarda] – Perdoai, Doutor Juiz
Sei que é atrevimento
Trazer-vos tamanha rudeza
Em tão privado momento
Mas este que vos trago
Não merece perdão
Quis tomar no mercado
Muita jóia e… sem tostão!
[Juiz] – Roubar, dizeis vós
Trata-se dum vilão
[Velha] – Tratante! [Nova] - Traidor!
[Nova] – Malvado! [Ambas] – Ladrão!
[Juiz] – Chega, senhores, não vedes
Que estou sentado à mesa?
Ouçamos o que o réu
Traz em sua defesa
[Peregrino] – Meritíssimo, não sou
O ladrão que procurais
Esse que me acusou
Levou jóias reais
E estava a engendrar
Ali ao meu lado
Um plano para tirar
As jóias do mercado
Ao ver no seu gesto
Disfarçada a intenção
Olhei-o de frente
E falei-lhe ao coração
Mas de nada valeu
Fez aquilo que quis
Não sem antes me mandar
À presença do juiz
E aqui ora estou
Apanhado no caminho
Com fé em Santiago
Sou um peregrino
[Juiz] – Trazei-me o galaró
Não me comovem tais dizeres
Destes, já ouvi muitos
E não me trocam os saberes
Enjaulai-o, bem merece
Quem toma o indevido
Trancai-o nas masmorras
Está o castigo lido!
Quem à bondade aspira
Mais incrédulo não pode estar
[Peregrino] – Valha-me Santiago!...
E desata a chorar
[Peregrino] – Permiti, meritíssimo
Uma palavra ditar
É que tenho na fé, a certeza
De que não ireis jantar
Não há quem se vos sente à mesa
Que não vá testemunhar
Estou tão inocente
Quanto esse galo assado cantar!
[Juiz] – Prendei-o!!
Que grande achado…
Além de ladrão
Parece tresloucado
Que disparate
Vem derramar
Um galo assado e…
A cantar!
ATO III
Eis um homem de fé
Que fora mal julgado
Hirto em seu pé
Esperava o resultado
Nunca olhava a agoiros
Nem de ameaça se tratava
O ter dito ao juiz
Que o galo morto cantava
Mas sabia-se confiante
No fim que encontrara
Porque foi a voz santa
Que o aconselhara
E o pasmo haveria
De nos rostos, nascer
Quando à mesa, a magia
Viesse a acontecer
Na praça, uns brindavam
À justeza do feito
Outros, contavam o incerto
Com a certeza do jeito
Assim dividido
Barcelos anoitecia
Em casa do juiz
Preparava-se a iguaria
E vinham chegando
Os convidados do juiz
(humm…) O cheiro a galo assado
Afundava-se no nariz
Já sentados, os convidados
Estando prontos para comer
Há uma luz que se acende
E não é uma luz qualquer
Ninguém sabe donde veio
Nem como apareceu
Mas trazia uma energia
Que até o chão estremeceu
Nisto, o galo assado
Que todos queriam provar
Levanta-se na travessa
E começa a cantar
O rubor instalou-se
No juiz comprometido
Lembrou-se das palavras
Do peregrino detido
E empurrado por penas
E arrependimento
Saiu, vales afora
Naquele momento
Quis, por sua conta
(e a ninguém ordenou)
Acudir ao peregrino
Mostrando-lhe que errou
[Juiz] – Do milagre que vi acontecer
E que te inocentou
Toda a gente vai saber
(assim, melhor homem me tornou)
[Peregrino] – Agradeçamos, Doutor Juiz
A Santiago, a razão
Deixai-me ora seguir
O caminho por sua mão
Mas um dia voltarei
Para um cruzeiro esculpir
E quem vier a Barcelos
Desta história, vai fruir.
EB1 de Montemor-o-Novo n.º 1. 4.ºs anos, coletivo.